A passagem do cometa Halley em 1910 agitou o cotidiano da população no Rio de Janeiro e foi muito noticiada na imprensa. Várias explicações para o fenômeno foram dadas, inclusive por cientistas da época, mas prevalecia no imaginário popular a possibilidade de o mundo acabar durante do evento astronômico. Para muitos, o cometa liberava um gás tóxico que se espalhava pela Terra, causando asfixia nas pessoas. Para outros, o gás causaria um ataque de histeria coletivo. Essas ideias ganharam as páginas de jornais pelo mundo, logo após a veiculação de notícias distorcidas no jornal The New York Times daquele ano, referentes a um estudo sobre a composição da cauda dos cometas.
Além dessas, ainda era noticiado que o cometa entraria em rota de colisão com a Terra, causando o fim catastrófico da humanidade, mesmo que astrônomos explicassem que isso seria improvável.
Tais ideias estão apoiadas em costumes antigos que associam a passagem dos cometas a maus presságios e eventos ruins. Afinal, durante séculos a aparição desses astros era imprevisível e assustava homens e mulheres que viviam segundo os ciclos da Terra.
A revista “Careta”, sediada no Rio de Janeiro, capital federal em 1910, veiculou diferentes notícias sobre a passagem do Halley, prevalecendo o tom de humor, sarcasmo e ironia no conteúdo. Esse tipo de revista cumpria uma função importante na divulgação de valores e costumes da época, por meio de fotografias, caricaturas e charges, alcançando um público não letrado.
Na edição de n.100, a revista deu destaque à passagem do cometa por meio de caricaturas sobre o fim do mundo. O autor do desenho era o caricaturista José Carlos de Brito e Cunha (J. Carlos), que nos apresenta o cometa com feição humana, agressividade e colidindo com a Terra. Na cena, o astro rompe o equilíbrio do universo, protegido por Deus e seres celestiais, para destruir o planeta.
É possível que o autor não estivesse narrando, tão somente, a desintegração de um mundo físico ocasionado pelo choque de um cometa, já anunciado pela ciência como inofensivo. J. Carlos, e outros caricaturistas que também retrataram o “perigoso” Halley na imprensa da época, estavam trazendo à tona a agitação e o colapso de “outros mundos”, vividos no dia-dia pela população. Afinal, tratava-se de um período de grandes transformações sociais na capital federal, como a agitação política de uma corrida presidencial intensa, choques entre valores antigos e modernos, conflitos constantes em uma sociedade herdeira do regime escravista e, ainda, o pouco acesso a informações científicas.
É importante considerar que as caricaturas são complexas estratégias de comunicação e linguagem que utilizam a metáfora, ironia, metonímia e o exagero de características para promoverem a reflexão e a facilidade na compreensão do argumento. São ricas para o estudo de um dado momento histórico, pois estão em profunda sintonia com sua época de sua produção, e denotam valores e ideias passíveis de interpretação e reflexão.
Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Período Brasileiro: Primeira República
Documentos relacionados:
Caricatura sobre a passagem do cometa Halley em 1910 e o “fim do mundo”
Caricatura sobre a passagem do cometa Halley em 1910 e o "inquérito celestial"
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Indivíduo relacionado: José Carlos de Brito e Cunha
Referências:
FLASTE, R., NOBLE, H., SULLIVAN, W., WILFORD, J. N.; Halley: tudo sobre o cometa. São Paulo: Círculo do Livro / Melhoramentos, 1985.
J. CARLOS. [José Carlos de Brito e Cunha]. Profecias – O fim do Mundo – O cometa de Halley choca-se contra a Terra. Careta. n. 100. 30.4.1910.
LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio Editôra, 1963.v.1.
MATSUURA, Oscar T. Cometas: do mito à ciência. São Paulo: Cone Editora, 1985.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Introdução aos cometas. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora. 1985.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. O Rastro do Cometa: o Halley na imprensa carioca de 1910. Rio de Janeiro: Editora JB, 1985.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro; SOARES, Lívia Freitas Pinto Silva. Votos, partidos e eleições na Primeira República: a dinâmica política a partir das charges de O Malho. Revista de História (São Paulo), n. 177, 2018.
Autoria: Mariza Bezerra