Notícia publicada na página 22 do número 867 de 26 de abril de 1919 da revista O Malho, editada no Rio de Janeiro. Conhecida pelo tom bem humorado das sátiras que publicava, O Malho foi um periódico semanal de grande circulação pelo país entre seu surgimento, em 1902, e sua última edição, em 1952. Suas charges e caricaturas são muito utilizadas por historiadores como fontes para a análise histórica de eventos políticos, científicos e culturais que ocorreram no Brasil.

Tal como ocorreu em ocasiões anteriores, como durante a
organização da expedição científica para observar a passagem do planeta Vênus
pelo disco solar em 1882, o Observatório Nacional se encontrou em meio a
controvérsias e críticas que foram amplamente divulgadas por revistas e jornais
durante o ano de 1919. Novamente, o principal tema colocado em questão era a
necessidade de disponibilizar orçamento para a organização de uma expedição, assunto
que movimentou as páginas das atas das reuniões do Congresso e dos periódicos
da época. O investimento na organização de uma expedição científica do Rio de
Janeiro até Sobral, no Ceará, onde poderia ser observado o eclipse total do Sol
esperado para o dia 29 de maio de 1919, não era considerado uma prioridade para
uma parcela do governo da ainda recente república brasileira.Uma notícia publicada na revista O Malho, com o
título O eclipse e a burocracia, revela um pouco da história. Henrique
Morize, então diretor do Observatório Nacional, havia tentado conseguir o
crédito necessário para organizar uma expedição até o Ceará, onde receberia as
comissões científicas estrangeiras que vinham dos Estados Unidos e da
Inglaterra e os ajudaria a se instalar. O Tesouro, no entanto, não havia
disponibilizado os valores garantidos pelo Congresso Nacional para esse fim e
nem teria condições de fazê-lo a tempo. “Impossível! Não há tempo! Transfira-se
o eclipse para quando se anunciar...”, teria dito o encarregado pela liberação
dos valores. Em matéria semelhante, publicada na revista Careta em 10 de
maio de 1919, o autor destacava a necessidade da comissão científica brasileira
partir do Rio de Janeiro para o Ceará, sob o risco de perder a oportunidade de
observar o fenômeno caso se demorasse. Na página 30 da edição 568 é possível
ler: “Os astrônomos brasileiros também deviam partir. Sua partida, porém,
dependia da aquiescência do Tribunal de Contas à abertura do crédito. Esse
nobre instituto entendeu, em sua alta sabedoria, distribuída por nove
iluminados cérebros, que não havia pressa, podendo o eclipse sem inconveniente
ficar adiado. Os astrônomos, com uma impertinência sideral, entenderam não
concordar com o adiamento do fenômeno celeste; mas o Tribunal é mais poderoso e
não concedeu o dinheiro, não por pirraça, mas porque nada tem a ver com essas
bobagens dos astrônomos.”Outros periódicos publicaram matérias semelhantes, mas a
pressão da imprensa foi insuficiente para alterar a situação. Henrique Morize
recorreu, então, à Barbosa Lima, político que presidia a Companhia de Navegação
Lloyd Brasileiro e que garantiu os recursos financeiros necessários, além do
navio que transportou os cientistas do Observatório Nacional para o Ceará, onde
a observação do eclipse de 1919 permitiria a confirmação da Teoria da
Relatividade Geral de Einstein.Esse evento nos permite pensar sobre os diferentes tempos:
aquele da ciência e o da administração pública. No caso da astronomia,
especialmente, a observação de efemérides celestes, como um eclipse do Sol, acontece
independentemente do tempo dos cientistas e daqueles responsáveis por financiar
suas pesquisas. Os fenômenos geralmente só podem ser observados em dias,
horários e locais específicos. Ao mesmo tempo, a falta de apoio governamental
para a liberação das verbas revela como, muitas vezes, falta aos responsáveis
pela administração pública o conhecimento específico das necessidades da
ciência e dos cientistas, inviabilizando uma maior colaboração entre ambas as
partes.

O eclipse de Sobral de 1919 e a burocracia

Henrique Charles Morize

Alexandre José Barbosa Lima

Sobral

Eclipse

O Malho

Criado em 1827, o atual Observatório Nacional é uma das instituições científicas mais antigas do país. Nos dias de hoje é uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que realiza pesquisas e forma profissionais nas áreas de astronomia, astrofísica, geofísica e metrologia. Além disso, é responsável pela geração e distribuição da Hora Legal Brasileira e pela preservação de um acervo de que inclui milhares de obras raras e fotografias históricas.

Observatório Nacional

Notícia de O Malho sobre "O eclipse e a burocracia"

<h3 class="editor-heading-h3 ltr" dir="ltr">O PROJETO</h3> O Portal de História da Ciência e da Tecnologia no Brasil é um projeto desenvolvido pela Coordenação de História da Ciência e Tecnologia do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), situado em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Nosso objetivo é divulgar a história da ciência e da tecnologia brasileira a partir de documentos históricos preservados em instituições de pesquisa, como o próprio MAST. Os documentos digitalizados são cadastrados em uma base de dados onde são inseridas informações sobre sua procedência, autoria, datação, entre outros dados importantes para o conhecimento dos seus contextos de produção e circulação. Além disso, cada documento é associado a um evento na história da ciência e da tecnologia brasileira, que é descrito por especialistas em textos autorais voltados para o público não especializado. Por meio de ferramentas interativas que permitem a construção de linhas do tempo e mapas personalizados, esperamos ser uma fonte de estudos capaz de contribuir para tornar as ciências e os cientistas brasileiros mais conhecidos entre nós. Desde 2019, o projeto foi desenvolvido com recursos do Programa de Capacitação Institucional (PCI) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) por meio do edital n° 36/2021 - “Apoio à Editoração e ao Audiovisual Comemorativo do Bicentenário da Independência e do Centenário da Semana de Arte Moderna”, e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) por meio do projeto “A Cultura Científica no Brasil: Espaços Multiusuários de Ciência e Tecnologia no MAST”. <h3 class="editor-heading-h3 ltr" dir="ltr">A EQUIPE</h3> Coordenação: Heloisa Meireles Gesteira Desenvolvimento e pesquisa: Anderson Pereira Antunes Mariza Pinheiro Bezerra Modelagem do sistema de informação: Sergio Emanuel Dias Campos Base de dados e desenvolvimento do site: Victor Yañez Colaboração: Coordenação de História da Ciência e da Tecnologia (MAST)

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